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No princípio era o verbo: a psicoterapia existencial como regresso ao mais originário.

Foto do escritor: Zélia Mota e CostaZélia Mota e Costa

Quando um bebé nasce, nasce num determinado lugar, num determinado ano, numa família. Para que esse bebé sobreviva, tem que receber o mínimo cuidado e aprender como funciona o "mundo" em que vive. A família, os amigos, a escola, a comunidade e a sociedade em geral vão transmitir-lhe as "normas do mundo", procurando que o bebé, criança, adolescente, jovem adulto, consigam sobreviver e prosperar. As normas transmitidas através do processo de socialização vão divergir consoante o Zeitgeist, o espírito vigente da época, impondo modos de ser-no-mundo que irão, necessariamente, restringir as respostas contrárias às determinações da época que o bebé/criança/adolescente manifesta.

Em parte, aquilo que sentimos e aquilo em que acreditamos corresponde ao que uma pessoa, que vive no século XXI, numa determinada região/país/comunidade, sente e acredita (ou é suposto sentir e acreditar). Como nos comportamos em relação à família, aos mais velhos, aos estranhos, o que escolhemos como profissão ou modo de vida, o estilo de vida, as nossas convicções políticas (mesmo que antagónicas), tudo é co-construído, independentemente dessa co-construção ocorrer num ambiente mais pacífico ou mais cruel. Mas essa é só uma parte da estória. No meio deste mundo-no-qual-estamos-já-lançados, vamos sentindo confusão e conflitos entre o que é suposto ser e fazer e a nossa experiência sensível, concreta. Experimentamos sentimentos de aprisionamento, revolta, indignação, ambição, auto-recriminação, desmotivação, insatisfação, apatia, impotência, medo, necessidade de liberdade. Vivemos inconformados com o status quo e decidimos que não faremos o mesmo aos nossos filhos, alunos e restante humanidade. Lutamos para nos libertar e libertar o outro do que é sentido como sem sentido, como restrição imposta. Ousamos libertar-nos das determinações que ditam que alguém escolha um cônjuge por nós, que por nascer com um determinado sexo temos um lugar atribuído no mundo, que por ter nascido numa época e num lugar podemos pertencer a outrem num regime de escravidão. Mas também nos libertamos de ideais de vida, pessoais e profissionais, implicando recomeços difíceis e que implicam enormes sacrifícios.

Esta articulação entre o singular e o universal é o chão fecundo da psicoterapia. O desajuste e conflito entre o que é esperado (pelos outros e por nós próprios) cria o mal-estar que leva à procura da psicoterapia.

A psicoterapia existencial trabalha neste fluxo do existir no mundo, como seres condicionados, mas que também são agentes condicionantes. É a partir da experiência sensível de estar-aí, já em situação, que podemos criar o espaço necessário para questionar essas determinações, abrindo a possibilidade de escolhas mais conscientes e autênticas, mais próprias. A autenticidade nem sempre é fácil e implica, frequentemente, risco, sacrifício e coragem.

A abordagem existencial em psicoterapia parte da experiência da pessoa, de forma a permitir que esta encontre os seus sentidos e significados e, assim, possa escolher-se, agir, com mais propriedade. O questionamento dessa experiência abre outras possibilidades para a acção e para a assunção da liberdade.

Não importa se a nossa situação é "supostamente" perfeita, ou se "não temos do que nos queixar". Silenciar o nosso desconforto, dessintonia, incongruência, ambivalência, cansaço, falta de ânimo, raiva, medo, pânico, tristeza, apatia, pode ser como lutar contra a corrente e, assim, perder o fôlego que nos resta, perder-nos a nós próprios.

Conhecer-se a si mesmo, tal como postulado por Sócrates, implica sair da determinação de quem somos ou de quem queremos ser (ou acreditamos dever ser), e estar presente para o que se passa connosco, mesmo que contraditório e transitório, encontrando sentidos para essa experiência de ser, de estar, de agir. Somos fluxo constante, resultante da relação que vamos tendo connosco, com os outros e com o mundo. Somos!

A nossa existência é anterior a saber o que somos, às teorias filosóficas sobre a vida e o ser-humano, à dicotomia entre corpo e alma, à cisão entre sujeito e objecto, ao método científico, à antropologia, à psicologia, à neurociência, à sociologia. Ser é já existir, é acção, é verbo e é independentemente dos nomes, rótulos, teorias, diagnósticos que lhe possamos atribuir. Tudo isto é tardio em relação à existência. Somos seres com capacidade para compreender os sentidos do mundo e livres (embora não livres de condicionamentos), para ter a coragem de escolher o caminho a percorrer!


Zélia Mota e Costa





 
 

Zélia Mota e Costa Psicóloga . Psicoterapeuta

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