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A propósito de despedidas

Atualizado: 12 de mar. de 2024

Despedimo-nos de tudo, a toda a hora, subjugados pela vivência do tempo que nos atravessa e que nos vai deixando sós.

Para Tejada Gómez, autor da letra da canção Las Simples Cosas, a "tristeza é a morte lenta das simples coisas" e aconselha-nos a "não partir agora sonhando o regresso, que o amor é simples e às simples coisas, devora-as o tempo". É esta relação com a impermanência das coisas, que nos incita a "demorar-nos aqui" e tal como recomenda o autor, a "não partir sonhando o regresso".

Mas será possível partir sem sonhar o regresso?

Os versos de Sophia Mello Breyner Andresen, no poema Casa Branca, deixam-nos um antídoto contra esta tristeza: podermos, através do uso da memória "representar", acto que a poetisa traduz como "voltar a tornar presente"*:

"Em ti renascerei num mundo meu

E a redenção virá nas tuas linhas

Onde nenhuma coisa se perdeu

Do milagre das coisas que eram minhas."


Ainda sobre a memória, esclarece-nos Milan Kundera no livro A Lentidão, que "há um elo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento" e acrescenta que, na matemática existencial, esta relação "assume duas equações elementares: o grau de lentidão é directamente proporcional à intensidade da memória; o grau da velocidade é directamente proporcional à intensidade do esquecimento".

No mundo veloz em que habitamos, abrandar o ritmo é um acto de resistência e liberdade, que exige coragem, mas que nos pode salvar do esquecimento preservando a nossa possibilidade de

re-presentar.

A lentidão, o demorar-nos aqui, alimenta o acto de re-presentar, permite-nos escapar ao Chronos, que é o tempo cronológico, sequencial, passível de medição, que devora todas as coisas e viver no tempo Kairós que, na Grécia antiga, correspondia ao momento oportuno, certo, em que algo especial acontece e que William Blake tão bem captou:


"Ver um mundo num grão de areia,

E um céu numa flor do campo,

Capturar o infinito na palma da mão

E a eternidade numa hora."


Aproveito para recordar a representação soberba que Chavela Vargas fez da canção "Las simples cosas". É também um convite à lentidão, a demorar-nos aqui e quem sabe, permitir que algo especial aconteça.


Zélia Mota e Costa

Psicóloga . Psicoterapeuta





*Entrevista dada por Sophia a Eduardo Prado Coelho, inserta na Revista ICALF2.

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